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Página da revista Vida Simples que trata sobre o desapego |
Aproveitando a época da troca de estações segue um texto para pensar na organização do seu guarda-roupa e da sua vida.
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Desapego na raça
Você acha que descartar objetos, situações e hábitos é fácil? Veja o que acontece com quem decide jogar 50 coisas fora em duas semanas
texto Liane Alves | fotos Claus Lehmann | design Kareen Sayuri
Olho com ternura para o meu chapéu de veludo verde. Ele já teve belas flores de camurça cor de ferrugem num dos lados das abas e, com certeza, dias de maior esplendor e glória quando o comprei numa sofisticada loja em Washington D.C. Naquele tempo eu tinha 22 anos e fazia minha primeira reportagem como enviada especial fora do Brasil. Foi quando o chapéu se converteu numa espécie de amuleto para mim. A primeira vez que o usei foi em Paris, e a estadia na capital francesa, onde fiz minha pós-graduação, se prolongou por mais dois anos. Depois, sempre com ele na mala, viajei para lugares tão exóticos quanto Hong Kong, sul da China, Indonésia ou o norte da Tailândia. Mais tarde, passei outra longa temporada em sua companhia aos pés dos Alpes italianos. O chapéu verde parecia atrair tantas viagens quanto o mel atrai abelhas. Se ele tivesse um passaporte, teria todas suas páginas carimbadinhas.
Por despertar tão boas memórias, nunca me permiti jogá-lo fora. Com isso, ele se transformou numa espécie de coisa imortal. Roto, meio deformado, e com várias passagens pela máquina de lavar, rodava pela casa como um bichinho de estimação. Já tinha servido como decoração no meu quarto, ou adereço nos teatrinhos encenados pelas minhas filhas. Foi emprestado algumas vezes, e chegou a viajar para a Alemanha em outra cabeça. Quando deixou de ser visível na casa, continuou sua vida de chapéu itinerante dentro dos armários. Sempre o encontrava em algum canto ou, então, abraçadinho a uma grinalda no alto de uma prateleira. Se fosse um habitante do planeta dos chapéus, hoje ele poderia ser considerado um nobre ancião.
Aquilo que você guarda e o que joga fora, assim como o que compra ou deixa de comprar, é um espelho que reflete o que você sente e pensa
Por isso, agora o seguro em minhas mãos com o mesmo fervor com que Hamlet agarrava o crânio de seu pai e lançava questões como “ser ou não ser”. Em vez disso, minha pergunta diante do meu chapéu de veludo verde é: jogo ou não jogo fora? Faria essa mesma pergunta diante de dezenas de outros objetos que pretendia me desfazer ao me mudar de casa. Essa tarefa insólita fazia parte da proposta da VIDA SIMPLES: seguir à risca o livro Jogue Fora 50 Coisas, da americana Gail Blanke, e treinar na prática o desapego.
“Nada mais fácil”, pensei. Faço isso em três horas, só de livros que não interessam mais devo ter mais de 50. Fiquei até com medo de não ter o que escrever. Afinal, com a simpatia que tenho pelo budismo, sabia que a vida é impermanente e que, por isso mesmo, não valia a pena se agarrar a objetos. Já tinha jogado milhares de coisas fora e acreditava que só o essencial tinha permanecido. Poucas coisas e boas era o meu lema. Quanto às questões internas, em relação a crenças e hábitos, pensava estar relativamente bem resolvida.
Você conhece a expressão “ledo engano”, não é? Pois esse foi o mais ledo de todos os enganos em que já caí na vida. Jogar objetos fora era apenas a ponta do iceberg. O que isso envolvia e mobilizava internamente é que era o grande problema. Para começar, a moça do livro, que não é nem boba, não facilitava a contagem dos itens que deviam ir embora. Para ela, por exemplo, dezenas de livros contam como uma única coisa. Batons velhos, corretivos nunca usados e rímeis duros também são computados numa única categoria: maquiagem. E assim por diante: vários CDs só valem um, talheres, um, pratos, um, assim como lençóis, vasos, almofadas e, principalmente, sapatos. Tudo um. Quando constatei o artifício maroto, comecei a suspeitar que essa história ia ser um pouquinho mais complicada do que eu pensava.
Leia na íntegra a reportagem “Desapego na Raça” na edição 102 da VIDA SIMPLES.